sexta-feira, agosto 20, 2004

De cara lavada

Ou, se preferirem, de fato novo. Aconteceram as coisas mais mirabolantes com o predecessor deste blogue, e tudo graças á minha santa ignorância nestas andanças.
Tentei mudar-lhe o aspecto, fazendo alterações aos settings, ao template, e até consegui inserir fotos! Só que, e aqui é que está o busílis, acabei por dar com os burrinhos todos na água!
E de tal forma as
asininas criaturas foram ao charco, que se tornou impossível publicar mais posts (ficavam a criar mofo no dashboard), e mesmo depois de repostas as anteriores configurações, o servidor recusava-se a republicar o blogue! Dava mais voltas que um pião e respondia-me invariavelemnte que havia erros de javascript, etc... Como a minha paciência tem limites (ao contrário da minha ignorância...), não há nada como realmente! Guardei no word quase tudo o que achei aproveitável, até um pouco menos pois perdi alguns posts (sorry, Bá ...), defuntei de vez o moribundo, e vai daí abri um novo blogue com um aspecto que me agrada mais. E depois nada mais simples do que "colar" o que tinha guardado, até os comentários! Tentei ser o mais fiel possível, inclusive nas datas, que mantive.
Ainda falta acertar mais umas agulhas, mas cada coisa a seu tempo.
E agora, é continuar, esperando pelas visitas e também pelos comentários...

Uma redacção da Guidinha

QUINTA-FEIRA, AGOSTO 12, 2004

em pleno agosto emigro da minha aldeia para estes algarves de cosmopolitismo pretencioso e bimboide e só vim porque teve que ser e o que tem que ser tem muita força diz o povo cá por mim tinha era ficado no aprazível remanso da minha serra mesmo nublada e fresquinha pois a a-dois até parecia que estávamos nos tempos do dom afonso terceiro com os cruzados montados em toda a espécie de cavalgaduras na corrida à espadeirada aos mouros por santiago e aos mouros diziam eles só que mouros acabamos por ser nós todos e levamos com esses agosteiros aos gritos e encontrões a tudo e todos porque já chegaram viram e venceram a praia é toda deles mais das pranchas e mais dos barcos de borracha ou de plástico e mais dos chapéus de sol e mais das bolas e mais das toalhas e mais dos sacos cheios de bronzeadores e de protectores solares que só cada família tem logo dez pessoas pelo menos e cada uma precisa de todos estes artefactos para depois tirar fotografias com a digital que lhes saiu no concurso das selecções e mostrar aos amigos que até passaram umas férias bestiais a apanhar banhos de sol ou chafurdar na água que nem uns alarves e isto não são só as criancinhas elas até se entende mas são também os pais e os avós e os tios e depois virem para casa às seis da tarde fritar iscas para o lanche e toda a vizinhança ter que aturar o cheiro das ditas e ficar enjoada que é o que estão a fazer os meus vizinhos do lado e era aqui que eu queria chegar e se não fosse cá por coisas ia era comprar uma bomba de desodorizante ambiente e despejava-o mesmo em frente da porta deles porque o prédio está todo empestado e ninguém aguenta isto ponto final.
POSTED BY MARGARIDA A. AT 7:45 PM 0 COMMENTS

Um dos "meus" poetas

SEGUNDA-FEIRA, AGOSTO 09, 2004


As Amoras

O meu país sabe às amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
(in O Outro Nome da Terra)


Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa:
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
(in Os Amantes sem Dinheiro)

Eu e os C.C.

Aqui para nós, até nem sou visceralmente fanática por centros comerciais. Por uma questão de princípio, mais nada. Mas como muito boa gente, de vez em quando, e sem sequer dar um mínimo de luta, acabo por ceder à tentação e lá estou eu caída num belmiro-de-azevedo. Fraquezas!, com a seráfica desculpa de que em pouco tempo se pode fazer muita coisa, está tudo ali à mão, etc. Mas principalmente por causa daFnac, passe a publicidade gratuita a quem dela não precisa. Apesar daquele ar de hipermercado de cultura(?), sempre dá jeito procurar lá o livro ou CD que se pretende ou então espiolhar as novidades. É sempre essa a primeira e obrigatória visita, depois de desesperar durante meia hora na árdua demanda de um lugarzinho para estacionar o Punto.
...E já com um saquito aviado de pequenos prazeres, é a altura da bica num estaminé a jeito, para de seguida esquadrinhar as montras dos trapos.
Detenho-me numa Elena Miro, que namoro à distância de uma carteira quase vazia, e a que viro costas com o coração destroçado. Acabo afogando as mágoas num C&A, que baldadamente procura confortar-me com umas disparatadas vestimentas, próprias para holandesas opulentas. Mas como entre mortos e feridos sempre escapa alguém, acabo por trazer aquela blusita que-até-é-baratucha, ou as calças que-até-nem-me-ficam-mal.
Por esta altura já estou saturada de gente aos encontrões, criancinhas barulhentas e um ar tão descondicionado que só faz dores de cabeça. Tudo isto para não falar de um cartão com o crédito um bom bocado mais reduzido.
Regresso a casa, no meio de um trânsito tresloucado, com polícias a abrir caminho a um autocarro de luxuoso turismo transportando meia dúzia de fúfias, mas com a suma compensação de vir a escutar, deleitadérrima, um recém-adquido CD dos Gaiteiros de Lisboa. E lá fico escostada á berma para que as damas passem sem qualquer belisco, à espera que dê o “tragulotrico trângulo mângulo nelas”…
Final feliz para uma estória sem princípio nem meio.

Redescobrir memórias

Numa tarde de domingo assim, chuvisquenta e abafada, nada melhor que ficar em casa pondo leituras em dia. Desde os jornais que esperaram momentos mais oportunos para ser vasculhados, até às revistas “de culto” sempre revisitadas com redobrado gozo, tudo vai servindo para arrumar ideias, redescobrir mensagens, encontrar elos esquecidos.
Com “A Xanela”, da Galiza, ou a “Memória Alentejana”, do CEDA (Centro de Estudos Documentais do Alentejo – Memória Colectiva e Cidadania)*, volto ao convívio de amigos nem sempre aqui por perto. Retorno a caminhos saborosamente percorridos, braço dado com o Luís Maçarico, a Isabel Aldinhas, o Manuel e a M. Amélia Sobral Bastos, o Fernando Duarte e a Paula e o J.P., o António Pereira Ramos… Ouço de novo as suas conversas, revejo as suas pinturas e fotografias, e remato esses devaneios com um cheirinho a poejo deixado pelo João Mário Caldeira.
Obrigada amigos, até à próxima!

* Para quando um website?

Al-Gharb, Algarve

O Algarve poderá ser o melhor destino de férias para quem aprecia a descaracterização humana e paisagística que, desde os anos 60, flagela o litoral sul deste jardim-à-beira-mar-plantado. Salvavam-se o barrocal e as serras, de Monchique a Alcaria do Cume. Mas a voragem, a incúria, a ganância, o tal laxismo que um ex-1º. Ministro e ex-PR (e se calhar mais ex-qualquer-coisa que não me lembra agora) tanto badalou, já quase ceifaram esses pequenos paraísos.
Marmelete, Alferce, Vale Fuzeiros, Benafim, Fonte da Benémola, Parizes, Cabeça do Velho, Vaqueiros, Fonte Zambujo, Guerreiros do Rio, quantos quererão saber desses sítios? Pois se ainda há bares em Lagos ou Albufeira, aldeamentos turísticos em Vilamoura, e “resorts” na Quinta do Lago ou Vale do Lobo...

Alentejo sempre

SEXTA-FEIRA, AGOSTO 06, 2004

Eu sei que sou suspeita. Eu sei que tenho uma paixão assolapada pelo Alentejo e pelos meus amigos alentejanos. Até acho que as minhas origens mais remotas devem provir dessas "terras de pão custoso/onde a palavra é pegada/e arde".
Mas, meus caros, este blog está mesmo uma maravilha. Assina os "posts" um "machede" (de S. Miguel de Machede?)que até cita o Joaquim Pulga, autor do livro com o mesmo nome do blog. Aliás há grandes semelhanças entre os dois, o blog e o livro... Palavra que estou a sentir-me transportada para essa terra única de horizontes infindos.
E, já agora, deixo isto:


CAMPO(NÊS)


1. Caminheiros de nós
demoramos os olhos
e os passos
nos campos de Março.
Só um milhafre
caçador
sobrevivente
ceifa a solidão...


2. Mais que na espiga
é na raiz que se esconde
o sortilégio das searas.

Agarram-se á terra
como o homem
à sua casa.

O rosto que se ergue
é apenas o visível.
A alma, a raiz,
prende-se no cante
ardendo em sede.


3. No solo como nos rostos
os mesmo sulcos
que o tempo fendeu
e a ardência crestou.
Nos olhos a secura,
no chão o horizonte.

Pois é...

...Isto de nos metermos a criar um blog sem saber ler nem escrever, pode dar pró torto... Ou então levarmos horas, dias, semanas, até atinar com, pelo menos, o fundamental. Agora "descobri" o nedstat basic, mas como chegar lá?
Palavra que me sinto perdida-no-mato-e-sem-cachorro. Valha-me santa Bárbara, a quem eu faço constantes peregrinações, a ver se me desemburro!

Os sacos da minha avó

Há largas décadas atrás, nem o comum dos mortais sonhava ainda com tantos e tais derivados do petróleo como, por exemplo, os tão banais (e poluidores) sacos de plástico, a minha avó Margarida aproveitava restos de camisas ou pijamas velhos, pegava em tesoura e paciência, deitava-se à máquina de costura, e produzia esses pequenos prodígios: sacos de pano, dos mais variados tamanhos. A isso hoje em dia chama-se “reciclar”, na época dizia-se “aproveitar”. Mera questão de semântica...
Era esse um tempo de míngua, com ordenados baixos e os efeitos tão próximos da segunda guerra mundial. A avó levou toda a vida a virar os colarinhos e os punhos das camisas do meu pai e do meu avô. Quando, de tão puídas, já não aguentavam mais voltas, tinham um epílogo que lhes assegurou a sobrevivência até aos dias de hoje: os tais saquinhos, utilizados para todos os fins. Alguns papo-secos, uma “manchinha” de batatas, meia dúzia de pêras ou de rainhas-cláudias, na sua vez tudo cabia lá dentro. Lavados e engomados aguardavam a sua oportunidade, devidamente enfileirados numa das gavetas da cozinha.
Atravessaram mudanças de casa e de vida. Passaram por muitas mãos. Iam acabando esquecidos num fundo de armário, não fosse mais um dos acasos ou coincidências de que todas a vidas são feitas, pespegá-los mesmo debaixo dos meus olhos.
Hoje continuam a cumprir a sua função, desta feita recheados com as ervas secas e aromáticas que temperam o pão-nosso-de-cada-dia.

Apetece-me ir...

...com Manuel Bandeira.

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Descompressão

SÁBADO, JULHO 31, 2004

Para não pensarem que hoje estou "azeda" (e o O'Neill que me perdoe o quase plágio)...


ANIMAIS NOSSOS AMIGOS

1.
Ao sol
põe os pauzinhos
o caracol.
Nada mais faz,
só se desfaz
em baba e ranho
de todo o tamanho.

2.
A caracoleta
se lhe dá na veneta
sai-se da casca
e não se enrasca
nem fica na mesma:
passa a ser lesma

3.
O pato
é mesmo chato.
Com aquela voz
só presta com arroz.

4.
A galinha e o galo
fazem um par de estalo!
Enquanto são novos
e ela põe ovos
bem vai a coisa.
Depois, é já outra loiça!
Acabam na panela,
em canja ou cabidela.

Por isto merecemos o que temos...

Até poderia ser um retrato (ou será mesmo?)


SENHORAS VIZINHAS

Ai esta vidinha
senhora vizinha!
Tudo tão caro
de Bragança a Faro,
já nada é barato
nem o carapau de gato...
A casa a pagar
o filho a estudar,
marido emigrado
lá longe, coitado!
E eu sou muito séria,
o que dizem é léria...
São umas invejosas,
a Micas e a Rosa!
Não lavam a roupa
nem fazem a sopa,
passam o santo dia
em casa da tia
a ajudar na costura,
mas é impostura...
Que eu já as vi
a andar por aí
com o Chico da Nora
mais o Zé da Aurora,
é cada baldroca...
Ai, cala-te boca!
É de bradar aos céus
senhor santo deus!
Então e a gaiata
da Fortunata?
Inda mal botou corpo
já namora o Torto
da senhora Engrácia!
Vai aí uma falácia...
E o que me diz da novela,
casa o Tiago com a Marinela?
Adeus, até logo,
tenho o almoço ao fogo.
Ai esta vidinha
senhora vizinha....

Há cada uma...

Liga-se o televisor na RTP, depois de almoço, e sai-nos cada cromo!
Um programa denominado (parece-me) "Volta a Portugal em Bicicleta" - que espero só dure o tempo da dita Volta - impinge-nos como apresentadora, animadora, entrevistadora, tudo num pé só, uma criaturinha de nome Bárbara (logo o mesmo da minha filha!...)tão dinâmica, tão irrequieta, tão vivaça, que, sozinha, faz a festa, deita os foguetes e corre a apanhar as canas. Fala do que não sabe, diz o que não deve, tudo numa convicção e numa prodigalidade de calinadas só própria dos indigentes intelectuais. Ó santa ignorância! Ó abençoada tacanhez!
A culpa até nem é dela, mas sim de quem lhe encomendou o sermão. Com a agravante de ser um (o único) canal público de televisão... Que fizemos nós para merecer isto?
Valha-nos S. Belzebú!

Um cheiro a rosmaninho

SEXTA-FEIRA, JULHO 30, 2004

E assim, sem mais nem menos, lembrei-me das Beiras e Trás-os-Montes, três meses atrás.
Fiquei com vontade de lá voltar...


SORTELHA

Nos rostos, como nas casas,
trazem as rugas sem tempo
cavadas pela memória.
Fazem cestinhas e rendas,
enfeitam a nossa vinda
com a vida que lhes resta.
Contam histórias dos avós,
de castelos encantados
de serpentes feiticeiras…
- Adeus, até pró ano!
- Pró ano, ai menina,
já cá não estou…

26.Abril.2004



TERRA DE TÃO LONGE


Não há mundo que se acabe
nesta terra de tão longe…

Enquanto houver manhãs claras,
giestas entre os penhascos,
burricos trotando ao sol,
vento norte lancinante,
bailadores, tamborileiros,
cantadores, gaitas de foles,
um galo no seu poleiro,

por trás de todos os montes
sempre andará um poeta
pintando em todas a cores
um remoinho inquieto,
uma seara de esforço,
um alento que não verga!

Sempre haverá contadores
de estórias dos seus avós,
nesta terra de tão longe
aqui tão perto de nós.

(obrigada, Elisa. Obrigada, Martín)
Miranda do Douro, 2.Maio.2004

Incêndios

SEGUNDA-FEIRA, JULHO 26, 2004

Que sobrará para os nosso filhos, os nossos netos? Hoje já ardeu mais uma vasta área da Serra de Monchique, a Arrábida está a ser consumida pelas chamas, e algures por todo o país outros incêndios vão semeando a desolação e o horror. Quem diz que sabe e que (des)manda já ouviu falar de meio-ambiente, protecção e conservação da natureza...?

Chile, Sepulveda e Violeta

DOMINGO, JULHO 25, 2004

Luis Sepulveda acaba de me falar - mais uma vez - do "general" e dos seus crimes. Crimes que extravasaram as fronteiras de um país para lá dos Andes e se propagaram por todo o mundo, com o aval dos que o exaltaram em prol dos valores bélicos e imperialistas.
Lembro-me de Victor Jara, de Violeta Parra, de Miguel Littín, e de tantos, tantos outros, operários, mineiros, camponeses, intelectuais, simples empregados, que viveram, lutaram e morreram ou se exilaram, para que os valores da razão e da justiça se sobrepusessem aos da força do grande capital e da ignomínia dos seus acólitos.
Depois da amargura e da raiva que já nada resolvem, resta-me a emblemática canção de Violeta: um hino à vida vivida em paz e serenidade.

Gracias a la vida

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros, que cuando los abro,
Perfecto distingo lo negro del blanco,
Y en el alto cielo su fondo estrellado,
Y en las multitudes el hombre que yo amo.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado el oído que, en todo su ancho,
Graba noche y día grillos y canarios
Martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
Y la voz tan tierna de mi bien amado.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto,
Me ha dado el sonido y el abecedario.
Con él las palabras que pienso y declaro,
"Madre", "amigo," "hermano," y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado la marcha de mis pies cansados.
Con ellos anduve ciudades y charcos,
Playas y desiertos, montañas y llanos,
Y la casa tuya, tu calle y tu patio.

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón, que agita su marco.
Cuando miro el fruto del cerebro humano,
Cuando miro al bueno tan lejos del malo.
Cuando miro el fondo de tus ojos claros.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa, y me ha dado el llanto.
Así yo distingo dicha de quebranto,
Los dos materiales que forman mi canto,
Y el canto de ustedes que es el mismo canto.

Y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la vida que me ha dado tanto.

Gatos

Diz-se que não dormem
de noite,
vigilantes anjos caseiros.
Esfíngicos e atentos,
olhos em fenda,
espreitam os nossos sonhos
e as nossas insónias.
Deslizam pela casa
silenciosos,
orelha arguta,
focinho ágil.

Adormecem pela manhã,
enroscados
numa réstia de sol.

Desfiam os dias
mansamente,
suaves companheiros de veludo.
Enredam-se nas nossas pernas
somente para que se saiba
que nos elegeram
e são eles os donos
dos nossos afectos.
17.Abril.2004