quinta-feira, setembro 02, 2004

Este mundo dos blogues

Numa deambulação por este mundo de blogues verifico que há coisas muito interessantes para ler e dar a conhecer, porque valem mesmo a pena. Alguns, de gente alentejana, trazem aquele cheiro a forno de pão e estevas, e uma frescura de casas caiadas e barras azuis, que tão bem sabe mesmo aqui na minha "aldeia" tão pacata... Passei pelo Estremoz in loco, que, simpaticamente, me refere, e tem a belíssima intenção de criar uma lista de blogues alentejanos. Fico á espera... e acho que não serei só eu.



Outra redacção da Guidinha

ainda a escola não começou e cá em casa já começaram as chatices como se não bastasse a dona Eduarda que é a minha professora levar o ano todo a dar-me na mona porque eu não ponho pontuação nas minhas redacções e eu sei lá para que serve a pontuação a gente quando fala também não diz vírgula ou ponto final e muito menos ponto de interrogação ou exclamação era o que faltava se já me dizem que eu falo demais então é que havia de ser bonito que é o nome do gato da minha avó que veio passar uns dias cá a casa e ontem depois de jantar fomos todos ao feira nova fazer as compras do mês e mais as coisas que eu preciso para a escola e aí que foi uma cena à moda antiga porque eu queria uma mochila nova e o meu pai disse logo que nem pensasse que a outra ainda está muito boa mas eu acho que já está velha e fiquei de trombas e ainda fiquei mais quando escolhi uns cadernos bué de fixes da benetton e a minha mãe disse logo eram muito caros e que os outros mais fatelas também serviam e que bem vistas as coisas isto nem dá para o ano que vem nem para ficar para a minha prima Susana que é quem fica sempre com o que já não me serve acho que é por viver lá na província que ela não se importa com essas coisas mas eu importo-me e foi outra cena com a minha avó que queria comprar uiscas para o gato que se chama bonito e o meu pai gritou-lhe logo que lhe desse peixe congelado que nós também o comíamos e não nos fazia mal nenhum e depois ia a dizer à minha mãe que ainda um destes dias comíamos era coelho guisado e que o raio da velha não lhe pode cheirar a dinheiro fresco eu nunca percebi porque é que dizem que o dinheiro é fresco pois se ele sai do multibanco e não do frigorífico aliás se saísse também aquecia logo no mini-mercado da dona Ermelinda e mais no talho do senhor António e na padaria do senhor Eusébio e na água e na electricidade e no gás e no telefone que ás vezes até está avariado isto eu acho que é porque o dinheiro aqueceu todo antes de chegar lá e o meu pai continuou foi todo o tempo em que estivemos no feira nova a dizer que no fim das férias estava sempre tudo mais caro e a chamar ladrões não sei bem a quem e que se não se fizesse alguma coisa ainda acabávamos era a comer pedras e eu acho que já há quem as coma porque o passeio em frente da nossa casa tem buracos cada vez maiores e no fim das compras eu desatei a rir mais a minha avó que me mostrou às escondidas do meu pai e da minha mãe uma coleira com um guiso que tinha gamado para o bonito e ninguém percebeu porque é que a gente se ria tanto e foi muito bem feito porque cá para mim aquela boca do coelho guisado tinha qualquer coisa a ver com o gato e agora não escrevo mais porque me apetece meter o dedo no nariz e pronto

Eles estão em toda a parte...

"O Demagogo", Orozco


COM FÚRIA E RAIVA

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de Longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

(Sophia de Mello Breyner)