segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Da utilidade do voto ou de Sócrates a Platão


Ó Sôtor e Sôr Engenheiro, ambos estais cheínhos de razão! Os anos sessenta do passado século e os outros tantos que hoje nos pesam nos ombros (ou na barriga, ou no rabiosque...) vincaram-nos e vincularam-nos. Vincaram-nos nas certezas do que queremos ou não queremos, vincularam-nos a ideais de justiça social e de solidariedade. De uma ou de outra forma seguimos esses caminhos, convictos da justeza da nossa opção.
Mas a História não absolveu os nossos modelos. Nesses caminhos percorridos fomos deixando ao lado das pegadas, desilusões várias, ao mesmo tempo que adquirimos outras experiências e alargámos horizontes. Perdemos a rigidez do olhar, a formatação das cores, a rotulagem própria e alheia. Ganhámos em troca a mobilidade da cervical, sem condescender à flacidez da dorsal.
Desviar uns graus a sotavento a rota da votação é, nos tempos que correm, uma escolha consequente, porque útil contra ventos e marés ameaçadores da já tão precária estabilidade da barca em que todos navegamos.
No entanto, pela minha parte e apesar de estar consciente do risco de um naufrágio irremediável, a bússola ainda continua a indicar-me o barlavento como enseada amena.
A Sócrates ainda anteponho Platão...

Marina Colasanti


Frutos e flores

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.

Natália Correia


Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego, dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,

deixa passar a Vida!