Acreditava nele da mesma maneira que acreditava que todos os anos havia Natal. À noite, depois da cozinha arrumada, alinhavam-se os sapatos na chaminé, e eu tinha a certeza de que ele viria mansamente colocar os presentes de cada um, sem se enganar.
Não sei como a ideia surgiu e foi tomando forma, mas o meu Menino Jesus era um menino gorducho e rosado, de bochechinhas redondas e cabelo castanho aos caracóis. Trajava um vestidinho leve, talvez parecido com os meus, e andava descalço. E talvez porque estávamos no Inverno, para compensar tão frescas vestes, usava um chapéuzinho redondo, de abas. Suponho que este chapéu seria igual ao do meu bisavô Isidro, de quem havia um retrato na caixa das recordações da avó Margarida.
Imaginava-o a entrar pela porta do quintal sem fazer barulho, pois um Menino Jesus tinha que ser discreto. Distribuía os presentes e depois passava pelo corredor, em frente da porta do meu quarto, em passinhos leves de criança sobre a passadeira de
cairo. Nessas alturas eu bem queria espreitar pela porta, a ver se o via e se ele era realmente como o imaginava. Por mais que me esforçasse para ficar acordada, o sono chegava antes dele...
Ano após ano, eu ia compondo a sua imagem à medida da minha imaginação e cada vez mais aquele chapéu e aquele vestidinho se iam tornando autênticos. E continuava a esperá-lo com a porta do quarto entreaberta.
Um dia disseram-me que não havia nenhum Menino Jesus, quem dava as prendas eram os pais. O desgosto que eu tive! Que faria eu com aquele menino imaginado durante tantos anos? Quem iria eu espreitar, a ver se finalmente o descobria, a partir daí? Restava-me guardá-lo num recanto da minha memória, com o seu vestidinho de organza e o chapéuzinho de abas redondas.