quinta-feira, janeiro 20, 2005

Os Gatos



(Para a Ana e também para o JRD)

Diz-se que não dormem
de noite,
vigilantes anjos caseiros.
Esfíngicos e atentos,
olhos em fenda,
espreitam os nossos sonhos
e as nossas insónias.
Deslizam pela casa
silenciosos,
orelha arguta,
focinho ágil.

Adormecem pela manhã,
enroscados
numa réstia de sol.

Desfiam os dias
mansamente,
suaves companheiros
de veludo.
Enredam-se nas nossas pernas
somente para que se saiba
que nos elegeram
e são eles os donos
dos nossos afectos.


Álamo de Oliveira



(Um poeta açoreano para JVC)

Do Abril
Sabes meu amor:
sou o único sobrevivente
deste país.
os outros poetas
olham os cravos e de alegria mirram
fartos da liberdade abrilmente dada.
só eu preso! - verde força lírica
política deste tempo
onde tu manuel meu povo
me tornas caule fardo cimento.
Aqui acredito
no curso da lágrima
ferindo o meu rosto
seco duro barro sopro.
os outros poetas
também estão secos. mas fartos
porque de mão na mão se plantaram
com amor e tudo
se consumou em abundância.
Sabes meu amor:
sou o que resta deste bagaço lírico e português
(Cantar o Corpo, 1979
)