quarta-feira, outubro 13, 2004

Um certo Alentejo



Os velhos do largo

Mal o sol arredonda a friagem da noite,
despontam um a um, rés às paredes das casas.
Nos bancos do largo, pontualmente nos mesmo lugares,
juntam-se como gatos em assembleia, desfiando a espuma
dos dias como quem já nem espera, e separando
os raios de sol com o olhar de quem já tudo viu.
Dissecam as palavras mansamente, com o cuidado
de quem retalha o pão de cada dia. Longe vai o tempo do
cante, que as gargantas, mais que as almas, perderam as asas.
Quando o dia conjuga o seu último tempo, andarilham
os passos de tactear as mesmas pedras que, desde a infância,
os tratam por tu. Mais que os sentidos, é a usança
que os norteia de volta às telhas ancestrais.
Voltarão amanhã, ou talvez não...

Águas (com uma piscadela de olho…)



Reencontrada na hidrosfera blogueira, esta é lisa, mas bem se podia dizer que só na aparência… Já correu sob muitas pontes, já moveu muitos moinhos, já lavou muita roupa, já poliu muita pedra. Não é engarrafada, vem directamente de uma nascente inesgotável, um manancial que apetece beber, goste-se ou não do pH ou do teor de sais minerais. Água turbulenta, desafiadora, de salpicos imprevistos. E que me põe à prova, só para ver se… vou ou não ao charco!
Beber um copo todos os dias ajuda a prevenir a doença de Ahlzeimer (de que se padece muito mais do que dizem as estatísticas do Ministério da Saúde) e equivale a uma boa sessão de ginástica dos neurónios. Mais e melhor: não oxida o bronze por onde passa! (Já agora, porque não temos direito a um Moscatel de Setúbal ou um Marqês de Borba? Falo por mim, que não sou abstémia...)

P.S. – Um comentário que deveria sair no respectivo “post”, mas que dificuldades de ordem técnica tornaram inviável: “Caríssimo João Tunes, chama-lhe “contraditório” ou provocação, tanto se me dá. Eu considerei um esclarecimento, uma informação complementar e desmitificadora. De qualquer modo, e com os pés assentes na terra, ainda gosto de ter como referência o essencial do guerrilheiro que foi o Che. Quanto aos aspectos negativos da sua personalidade, realmente tão pouco condizentes com o que se mitificou, quantos de nós, revolucionários-de-cravo-ao-peito, e noutra conta, peso e medida, não cometeram também excessos e injustiças? E sem acto de contrição nem mea-culpa, nem tampouco o reconhecimento dos efeitos negativos de tais e tantos 'feitos valerosos', atendendo a que ainda 'mexem'…”

"O Idanhense"



(84. Mais uma vez Idanha-a-Velha)

As pedras

As pedras falam? pois falam
mas não à nossa maneira,
que todas as coisas sabem
uma história que não calam.

Debaixo dos nossos pés
ou dentro da nossa mão
o que pensarão de nós?
O que de nós pensarão?

As pedras cantam nos lagos
choram no meio da rua
tremem de frio e de medo
quando a noite é fria e escura.

Riem nos muros ao sol,
no fundo do mar se esquecem.
Umas partem como aves
e nem mais tarde regressam.

Brilham quando a chuva cai.
Vestem-se de musgo verde
em casa velha ou em fonte
que saiba matar a sede.

Foi de duas pedras duras
que a faísca rebentou:
uma germinou em flor
e a outra nos céus voou.

As pedras falam? pois falam.
Só as entende quem quer,
que todas as coisas têm
uma coisa para dizer.

(Maria Alberta Meneres )