domingo, dezembro 12, 2004

António Lobo Antunes

Ao ler esta entrevista e as “Escritas Livres” da lolita, reflecti sobre a forma contraditória como penso no Lobo Antunes e na sua escrita.
Da sua obra conheço mais títulos que conteúdos. Desagrada-me, indispõe-me, a sua temática e a forma como a enuncia. Apenas li com verdadeiro prazer “Os cus de Judas” e “As Naus”. E as crónicas. Por motivos muito simples e muito pessoais.
Por coincidências das tais que vá-se lá saber porque acontecem nas vidas das pessoas, percorremos alguns caminhos comuns. Melhor dizendo, as mesmas ruas, as mesmas portas, os mesmos degraus. E algumas das suas crónicas lembram-me isso a cada palavra.
Desse bairro de Benfica, onde ambos morámos, apesar de em épocas diferentes, ainda vi e senti algumas coisas das que ele conheceu, recorda e dá testemunho. As ruas, as casas, o mercado a céu aberto na Grão Vasco, o velho “Paraíso” das tertúlias e do bilhar, ao lado da padaria que ainda hoje utiliza o forno de lenha.
E na casa cor-de-rosa da Travessa dos Arneiros, no meio do quintal protegido de olhares indiscretos por um muro alto, a mesma onde ele viveu a sua infância e juventude, foi onde, décadas mais tarde os meus filhos também se deliciaram a trepar ás árvores ou a brincar no sótão, com a Zézinha e a Joana, amigas e colegas no externato da R. Emília das Neves. Também elas são presença nas suas crónicas, trazendo-me de volta a imagem de quatro crianças felizes que, nos idos de 80, partilhavam confidências, amizades e cumplicidades.
Nem sempre é tão remota a relação entre duas pessoas que não se conhecem directamente. Melhor dizendo, dele conheço o que é do domínio público, mais um ou outro pequeno detalhe. De mim, nada ele deve saber, anónima que sou entre os anónimos desta terra.
No entanto, temos em comum alguns percursos que ele nem deve imaginar. E é desses percursos tão sobrepostos que me fica uma certa simpatia pelo escritor e a curiosidade de folhear, mesmo que não tencione ler, cada um dos livros que dá à estampa.

Cheiros de África no meio do poejo



No Isidoro (de Machede) encontrei isto. Está uma coisa mesmo gira, falando de coisas sérias sem ar fúnebre, como é costume entre as nossas gentes de brandos costumes.
É de Moçambique e está tudo dito!

Exactamente!

UMA HISTÓRIA PORTUGUESA
Por VASCO PULIDO VALENTE
Domingo, 12 de Dezembro de 2004


Em Julho, o Presidente da República não dissolveu a Assembleia por uma única razão: tinha medo de um governo Ferro. Um governo Ferro podia sublevar o país contra ele e ele naturalmente queria acabar o seu mandato em paz de espírito. A Constituição serve para tudo. Serviu nessa altura para substituir Barroso por Santana e tentar manter as coisas como estavam, mesmo quando estavam manifestamente mal. Ferro percebeu o que a decisão significava: uma absoluta desconfiança nele. Só lhe restava sair e, de facto, saiu. Claro que sendo legal, o arranjo não era legítimo. Não vale a pena repetir que verdadeiramente se elege o Primeiro-Ministro (e não um partido) e que um Primeiro-Ministro, por assim dizer, nomeado, está por definição diminuído. Já se vira que sim com Balsemão e, a partir de Cavaco, não havia a menor dúvida. Sampaio resolveu ignorar a evidência, mas para o que desse e viesse anunciou que iria exercer uma tutela especial sobre o governo de Santana, que por outro lado declarava imaculado e pleno. Supunha com certeza que essa pobre habilidade o protegia a ele, amolecia o PS e moderava Santana. O plano falhou de ponta a ponta.
Logo no primeiro dia, Santana mostrou a sua essencial instabilidade e dali em diante, de episódio em episódio, o caos cresceu. Nenhum episódio foi em si próprio grave (e nisso, por vez, uma Sampaio acertou). Grave, e até insustentável, foi o "padrão" que pouco a pouco, e não por acaso, emergiu. Santana é um demagogo e demagogia vive do movimento, não se instala em S. Bento a reformar discretamente a pátria. Precisa sempre de inimigos, de escândalo, de aventura. Mas, como era previsível, a guerra de Santana contra o mundo começou a inquietar o país, tanto mais quanto ele aparecera em cena sem um voto que o "legitimasse". O erro original de Sampaio batia enfim à porta de Belém. E o segundo erro logo a seguir: a tutela especial, tão solenemente prometida, fazia com que ele carregasse agora a responsabilidade pela agitação contínua que a natureza e origem do governo por força provocavam. Felizmente, agora, Sócrates permitia uma dissolução sem risco ou quase sem risco. Sampaio resolveu acabar com Santana e esperou o seu momento. Não esperou muito. As birras entre o CDS e o PSD em Barcelos e a demissão de Henrique Chaves criaram o clima e forneceram o pretexto. O resto não custou nada. A Constituição serve para tudo
."


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