VEMOS, OUVIMOS E LEMOS
"cumpridos os deveres compridos deixaram
de assediar minhas horas
doce a liberdade retoma em si minha leveza antiga"
Sophia de Mello Breyner
quarta-feira, janeiro 19, 2005
82 anos do poeta
"Da casa da Eira só me lembro do quartito que dava para a cozinha. Um tabique separava-nos da casa da Ti Ana, uma velhota a quem minha mãe às vezes me deixava a guardar. Foi nesse quarto que a mãe me ensinou a rezar:
Senhora Sant'Ana,Mas eu gostava mais de me meter com a velhota do que das orações:
Tapai-me cum véu,
que eu sou pequenino,
levai-me pró Céu.
- Ó Ti Ana! Ti Ana! Faça-me um favor!
- Que é? - perguntava a boa mulher, fingindo ignorar a resposta:
- Empreste-me a pele pra fazer um tambor!
Mas isso foi bastante depois. Antes das orações e das brincadeiras com a Ti Ana, lembro-me das lágrimas. Nunca mais voltei a chorar assim."
Era na Póvoa da Atalaia, a uns escassos cinco quilómetros de Alpedrinha. O menino José andou ao colo da D. Clara Nabais, nesse tempo ainda a Clarinha, foi à escola com a mãe da Maria dos Anjos, sujou bibes, rompeu sapatos, rasgou calções. Depois...
Depois andou os caminhos que lhe apareceram e outros que ele descobriu. E foi na Foz que ancorou, com um ramo de girassóis à janela.
Um livro de João Aguiar
«Num ponto qualquer do futuro distante, certo autor decide-se a narrar um caso de proveito e exemplo ocorrido nos recuados princípios do século XXI. Como base de trabalho, ele possui fragmentos de um livro publicado nessa mesma época - escrito, portanto, em português decadente, talvez já contaminado pelo novo idioma que viria a substituí-lo, o yeah-yeah-man. Negando-se a recuar perante a dificuldade, o nosso autor aproveita as partes mais legíveis do texto original e completa-as na boa e clara linguagem do Português Ressuscitado. Assim surge o Diálogo das Compensadas, cujas principais figuras são um jovem da geração reality-show e uma abadessa não isenta de mistérios e segredos.»
Acabei de o ler ontem á noite. Crítico, irónico, delirante. Imperdível.