quinta-feira, abril 07, 2005

Dois poetas moçambicanos



Naturalidade


Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem raiz a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável ... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu?
Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.

(Rui Knopfli)


Grito Negro

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

(José Craveirinha)

Livros e Leituras


Apesar das ocupações das últimas semanas, lá vou arranjando um tempinho para ler, nem que seja nos três quartos de hora que uma ou duas vezes por semana passo debaixo da terra, no único transporte colectivo que consigo utilizar. Ou então se me dá alguma insónia... Quanto a comprar livros, isso é mania de que não consigo curar-me. Até no supermercado, para não falar de Fnacs e quejandas.
E já nem refiro a velha Bertrand do Chiado, que me ocupava as horas de almoço nos tempos em que trabalhava na Baixa.
No meio de um giro sob qualquer pretexto, de repente dou comigo a sobraçar uns quantos volumes que me aguçaram a curiosidade e cobiça. Raramente embarco em " em best-sellers", a fartura faz-me desconfiar da qualidade... Mais facilmente me tento por saldos ou pechinchas, e mesmo por edições que ficaram a criar mofo em armazéns e reentram no circuito comercial pela "porta do cavalo", ou seja, em venda a granel e ao preço de uva mijona em escaparates de hipermercados. Com um bocado de tempo e paciência lá se consegue descobrir alguma coisa de jeito. E é assim que carrego para casa, à mistura com hortaliças ou detergentes, uma edição das "Cartas do Meu Moinho", do Alphonse Daudet, cuja leitura me deixara algo confusa nos tempos da curiosa e desenfreada leitura dos nove ou dez anos.
De outra maneira, digamos, mais tradicional, também sou capaz de me tentar pelo último livro da Alice Vieira, escrita coloquial e leitura apetecível, mas não tão infantil ou juvenil como possa parecer. Ou pelas "Putas Tristes" do sempre aliciante Gabo, que de uma forma quase tragicómica, dá muito que pensar. Mas também por uma colectânea de banda desenhada do Ric Hochet, ou por algum Astérix entretanto extraviado das minhas prateleiras e cuja reposição se impõe.
O busílis é depois a arrumação de tanta coisa diferente. Mas isso já são outras novelas...