terça-feira, dezembro 21, 2004

Os mitos e os ritos

Não estou com tempo nem pacência, de momento, para me alargar em considerandos ou mostras de erudição sobre natal e natais. Quem ainda não souber como todas estas festividades começaram, pode ver aqui.
Para mim sempre foi essencialmente a festa da família, porque no dia de natal nos juntávamos com tios e primas, num fenomenal almoço de galinha corada, abatida ao activo da capoeira lá de casa e sacrificada aos deuses Manes e Lares. Com o correr do tempo e algum medrar de bolsa, a galinha transformou-se em perú, comprado com antecedência ao criador que por Outubro os trazia em bandos, ainda franganotes, e acabados de criar na capoeira a par de galinhas francamente aliviadas pela escapatória ao holocausto. Finalizava-se o repasto com o arroz doce da avó Margarida, o vinho do Porto guardado para as efemérides, e as anedotas do meu pai e do tio Luís, em aberta desgarrada. Enquanto isso, eu a minha prima Luísa comparávamos presentes, vestíamos, despíamos e aconchegávamos a boneca que talvez nos tivesse calhado no sapatinho, ao mesmo tempo que avó e mães se despachavam a arrumar a cozinha... E a tarde passava depressa, sem se dar por isso, e no melhor das brincadeiras já eram horas de regresso, beijinhos e adeus até qualquer dia.
Entre nós não se punha em causa o significado do dia 25 de Dezembro. Era apenas uma festa especial, uma tradição de convívio familiar. E um bom pretexto para deixar á solta o pecado da gula!

Anamar

Ora vão lá passando por aqui, e vejam se não vale a pena!

É Natal, é Natal...


Anda meio mundo numa tremenda azáfama por causa do Natal. Cá por casa não somos excepção, e este ano com um entusiasmo maior porque é a primeira vez que o fazemos aqui, porque vem a família (quase) toda, porque eu gosto destas coisas. Mas lá que dá trabalhinho, isso dá, porque, como de costume, vai-se sempre adiando o que se podia ter feito ontem. Há sempre compras de última hora, os enfeites na casa, o embrulhar das prendas que ainda estão nos sacos, enfim, muitas daquelas coisas que já podiam ter sido feitas, mas que se vão adiando porque o Natal é só lá para o fim do mês e ainda faltam muitos dias. E a preparação dos petiscos, o arranjo da mesa, arrumar espaço para todos, sentar a avó ao pé dos netos em lugar quente e confortável, ver se não falta nada... e preparar-me para saborear a ceia em animada companhia.
Depois, é a vez de alguém fazer da pai natal, distribuir as prendinhas que entretanto esperaram à volta da árvore cheia de bolas coloridas e luzinhas a piscar, e ver as caras sorridentes de uns, desapontadas de outros...
E depois tudo volta ao mesmo de sempre, cabendo-nos não deixar esmorecer a boa disposição que sempre marca este dia.
Sim, porque o natal já não é "quando a gente quiser", é quando a gente tem motivos para isso e paciência a rodos, sem precisar de iluminações, nem estrelinhas, nem anjinhos cantantes, muito menos que nos espetem o calendário à frente do nariz apontando descaradamente o dia 25 de Dezembro.

Ainda "sulitaneando"

Em jeito de comentário o João deixou esta preciosa deixa: "(...)Mas reparo que ninguém referiu o verdadeiro segredo da Sulitânia (falo dos sabores, quanto ao resto, o mérito pertence ao Isidoro): o facto de a cozinheira ser uma ex-contabilista! Quem melhor que uma pessoa que, depois de se consumir profissionalmente com os deves e os haveres mais os pagamentos do IRC e do IVA, para renovar e partilhar os seus projectos através do poejo, das migas e da doçaria?"
Ora bem, se as finanças desta terra perderam uma perita no "rapa, deixa, tira, põe" do IRS, IVA, IRC, mas outros impostos, taxas, derramas, contribuições e afins, tudo a bem da nação e a mal dos bolsos de quem não tem outro remédio senão sustentar malandragens, em troca ganharam e bem os paladares de exigentes gastrónomos ou meros consumidores de lautas comedorias, pois o desfile de pitéus desta ex-contabilista degustam-se com o prazer inverso àquele de pagar ao fisco um tostão que seja! Com a larga vantagem de não nos provocarem qualquer tipo de indisposição, seja ela azia ou dor de cabeça.
Gabe-se pois a Sulitânia e o Isidoro, que é de Machede, pois claro!, de ter resgatado tão santas mãos a tão daninho ofício. Por mim, lá voltarei com prazer, mais que não seja para falar de temperos e aromas, de doces e de outros delírios.