terça-feira, outubro 05, 2004

Natália Correia



De mãos dadas com o sonho me extravio
Em alma ardente com asas incivis.
Da rebeldia faço o meu navio
E parto para um corpo mais feliz.

Arvoro o pavilhão do desafio,
Falo com a liberdade e ela me diz
Que à morte deixe o osso inerte e frio
E beba a vida dos ramos à raiz.

Mas ó sarcasmo da humana condição!
O mundo é mais que eu. Libertação?
O fado soberano a circunscreve.

De mim se conta o libertário gesto?
É o falso brilho da ilusão que empresto
Ao fim mesquinho de uma história breve.

Labores de Outono



Às vezes sabe bem ficar assim, por casa, entre gatos e tachos, livros e CD’s, intervalando com um salto à blogosfera… ou uma boa espreguiçadela. Estas tardes de Outono, aqui à beira da serra, começam a estar fresquinhas e convidam a um dolce fare niente.
Por esta altura e há mais de meio século, uma das tradições lá de casa era a minha avó Margarida preparar para o Inverno tudo aquilo que iria fazer muito jeito nos meses que se aproximavam. Assim, entre o arranjo das roupas da família e alquimia das conservas e doces, a avó prodigalizava pela enorme cozinha o talento dos seus cento e dez quilos, generosamente distribuídos por um metro e meio de altura. Havia duas matérias primas indispensáveis: marmelos e tomates. E lá se metia mãos à empreitada, para preparar os doces e a calda de tomate. Obra para alguns dias. E os cheiros que se espalhavam por aquela cozinha! Tachos fumegando no fogão sob a vigilância da avó, que aproveitava o tempo entre o começo da fervura e o apurar dos manjares, para dar mais uns pontos numa bainha a descer ou para pregar um botão vadio, enquanto o gato aproveitava uma réstia de sol e o canário se desdobrava em trinados.
Hoje resolvi retomar alguns desses rituais, e voltar a habitar esta outra casa com doces e cheiros quase só sobreviventes na minha memória. E não é que estou a gostar?

E agora?

Penso que esta é uma boa decisão. Sem mais comentários.