sábado, agosto 28, 2004

Ora vamos falar claro

Este falso problema do chamado “barco do aborto” (que raio de tradução para “Women on Waves”!) já me está a causar náuseas. Odete Santos, há minutos na SIC-Notícias, pôs os pontos nos ii para quem não percebeu ainda o que se está a passar. A proibição da sua acostagem, invocando os mais diversos e assustadores argumentos, é considerada ilegal à luz do Direito Comunitário. O senhor Ministro dos Assuntos do Mar está a ser “mais papista que o papa”. A santa hipocrisia de que se reveste esta atitude, e outras paralelas e semelhantes, é bem ilustradora das mentalidades tacanhas e oportunistas de quem faz dos lugares públicos que ocupa o seu feudo pessoal. Que haja movimentos cívicos contra a interrupção voluntária da gravidez, compreende-se. Cada um defende os princípios em que acredita e acho bem. Mas, a nível governamental, invocar uma legislação que só tem valor dentro de um território para tentar, de formas camufladas, aplicá-la fora desse mesmo território, é o mesmo que eu proibir a minha gata de ir acasalar para o quintal do vizinho sob o pretexto de cá em casa isso não se faz. E a quem vai a Badajoz ou a Londres não se pergunta nada!
Tenho três filhos. Devo dizer que nunca na vida fiz um aborto. Não precisei e ainda bem. No entanto conheço mulheres que o fizeram, porque a isso se viram obrigadas.

M. está grávida de dois meses, tem já dois filhos pequenos e gostaria de ter mais, quando o marido lhe comunica que vai sair de casa para viver com outra mulher. M. vai ficar sozinha.
S. é violada uma noite na escada do prédio onde mora. Engravida. Tem a lei do seu lado, mas se espera pelos seus trâmites, já estará muito para lá do prazo definido na mesma lei.
Eu e estas duas mulheres, entre milhares de outras, votámos SIM no referendo de 1998. Não acreditamos em fantasmas. Acreditamos e defendemos o direito à vida, mas com dignidade e respeito. Desassombradamente.