terça-feira, dezembro 07, 2004

Viagem



Escorre o sol por esse Alentejo mas sem que lhe falte a friagem de que se fala por aqui.
Percorrer a A2 já se tornou num hábito, mas hoje atento mais na terra em falsa letargia. Falsa sim, porque os colos, os ligeiros vales, os plainos, se entreabrem em mais ou menos verdejantes remendos, a transgredir a terra vermelha e amarela, vislumbre de papoilas e searas que já foram e voltarão a ser.
Conheço estes campos de cor, de tantas e tantas vezes os ter atravessado, a redondeza das copas dos pinheiros, os sobreiros ganhando a nova pele, montes abandonados e outros que recriam vidas novas, além a solitária brancura de uma ou outra aldeia, as torres da basílica de Castro Verde, rebanhos tasquinhando sob o planar de um milhafre ou a curiosidade de dois corvos estouvados, aqui mesmo uma cegonha em pacífico voo, a igreja de Messejana acolá junto ás ruínas do que foi um castelo, e Beja, Beja, lá muito ao fundo, e já passámos pelo Sado, caprichoso e viajeiro, a aparecer e desaparecer, a assomar-se para de novo abalar, até que em Alcácer, do sal, do sol, do sul, se queda embevecido antes de seguir jornada, e é já a Arrábida que se recorta fugaz no horizonte, espreitando disfarçadamente por baixo das sorrateiras nuvens que chegaram do litoral e se quedam pelo castelo de Palmela, em Vale de Barris ou na Serra dos Gaiteiros.
Lisboa está perto, e a Serra de Sintra também...
Chego a casa com a secreta mágoa de não ter puxado pela manga do Fernando a desafiá-lo para nos perdermos, por tempo indefinido, nesse Alentejo que ficou para trás...