quinta-feira, dezembro 23, 2004

Natal 5. Os cheiros



A casa está a começar a encher-se dos cheiros do Natal. Os cheiros que todos os Natais se fazem sentir, mais ou menos intensos, a fritos, a açúcar, a canela, a chocolate, a limão.
O primeiro cheiro a dar-me conta de que o Natal se aproximava a passos largos, era o da cera amarela, que a senhora Maria afincadamente espalhava no soalho. E era também o do pinheiro, que na casa de entrada se perfilava enfeitado e festivo. O regresso da escola à tardinha, nessa época, sabia melhor do que nunca, esses aromas a lavado e a resina, sobrepunham-se e recebiam-me num abraço silencioso e quente. Cheirava também a frio e a chuva, que raramente deixavam passar a data sem se mostrarem, a impelir-nos para o abrigo da cozinha, sempre acolhedora e a que avó Margarida emprestava um particular aconchego.
Aos poucos, era a vez dos fritos, polvilhados a canela e açúcar, os sonhos, as fatias douradas, as filhós, os coscorões, o arroz doce. Armário que se abrisse, era uma verdadeira tentação: lá dentro repousavam, aguardando o dia apropriado, todas as guloseimas a exalar aromas especiosos e provocantes.
Já no dia de Natal, acendia-se o fogão de lenha, que só se utilizava em ocasiões especiais, dispendioso que era o seu uso mais amiúde. E era a lenha a arder, aquecendo o forno onde assava a galinha, temperada pela avó, com o seu dedo de cozinheira de parcos recursos e múltiplas estratégias culinárias.
Eram cheiros que pairavam na casa durante dias e dias, que a enchiam, e se iam dissipando lentamente, mas que voltavam todos os anos pela mesma altura.
Cheiros que nunca se perderam, que me têm seguido nas voltas da vida e de todos os Natais, que hoje reinvento e respiro com um prazer de reencontro.