domingo, outubro 17, 2004

Ruy Cinatti



Solidão na Cidade e Sonho

"O que eu desejo,
ó luarenta cidade",
disse o rio,
"é que ninguém te toque."

Imóvel, paredes mestras
Afundando-se na sombra.
Ruas prolongadas,
abertas em campo grande,
fechadas em poços negros,
por onde tirita, de febre,
um homem.

Eu, rio arrependido,
captado veio d'água
na rede do espírito
que deambula sem norte.

Qualquer parcela de mim
que pouco a pouco se eleva
no nevoeiro nascente
que do rio sobe
e a cidade cobre.

Nenhum pássaro cantou
na madrugada. Eu corri
contra a força de uma vela,
e tu, árvore imóvel.

Som a tempo, respondo
marulhar d'águas nas folhas
caindo no cais deserto
onde se aproxima um homem.

"O que eu desejo,
ó luarenta cidade",
disse o rio,
"é que ninguém te toque."