segunda-feira, novembro 22, 2004

Isabel Aldinhas, montemorense, pintora



Filha e neta de trabalhadores do campo, nasceu e viveu a infância nos montes e quintas onde o pai vendia a sua força de trabalho para alimentar as quatro bocas que tinha em casa. Ainda quase um bebé, via a lousa da irmã, mais velha nove anos e que já ia à escola, vincada por incontáveis traços de pena que, mesmo depois apagados, deixavam sulcos como o arado na terra. Foram estes mesmo sulcos, que aos olhitos da menina de ano e meio se afiguravam tão fundos, a pedirem à mão para repetir os traços, sem que se apercebesse que já ali havia um arremedo de perspectiva. Ainda hoje Isabel recorda esses primeiros "rabiscos", reproduzidos em tela, ao mesmo tempo que lastima que a lousa da irmã, tantos anos passados, se tenha partido...
Aos quatro anos a irmã lia-lhe histórias de encantar ou inventava-as para a menina que avidamente as bebia, e a seguir ia para o caminho em frente da casa desenhar no chão, na terra, os cenários que a encantavam. Até ir para a escola foram a irmã e as jovens vizinhas as suas mestras na arte de contar para depois ela desenhar.
Sempre que podia, aproveitava tudo o que havia à mão para desenhar: desde o papel dos cartuchos em que o arroz ou o açúcar chegava da mercearia, até panos velhos ou pedaços de entretela já sem outro uso. Os lápis de cor, as aguarelas, os guaches, encontravam aí o campo necessário para reproduzirem as cenas, as figuras, os objectos, que no dia a dia a rodeavam, mas por ela interpretados com sensibilidade e cunho pessoal.
Mas foi graças a uma madrinha abastada que pôde concretizar o seu sonho. Frequentou a Escola António Arroio e outros cursos. Ensinou. Pintou sempre. E pinta o seu Alentejo mágico com as cores delirantes de um Van Gogh. Pinta os mistérios ou o seu imaginário com discretos tons de melancolia. Pinta as vivências a que assistiu, os montes em que morou, os campos onde entretém a vida.
Cada tela sua é um hino à terra, um poema da planície, um rumorejar de águas inquietas...
Uma referência a prender na memória.

1 Opiniões:

Blogger oasis dossonhos opinou...

Mais um grande texto escrito pela tua sensibilidade,mais um merecido apontamento acerca do percurso da Isabel, enquanto alentejana e pintora da nostalgia de viver neste país de luz esbanjada.
Bem Hajam as duas pelo muito que me têm dado!
Luís F. Maçarico

segunda nov. 22, 05:23:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Caminho de volta