quarta-feira, setembro 29, 2004

Poetas Populares Alentejanos (I)

Há uns bons 22 anos que tenho esta belíssima colectânea, recolhida pelo Modesto Navarro entre Março e Maio de 1976 e editada em 1980 pela “Vega”. Possivelmente alguns destes poetas já calaram as suas vozes, mas as palavras ficaram.

“O meu nome é Maria Rita Mirador. Tenho oitenta e um anos. Comecei a trabalhar aos dez. Não cheguei a fazer a 4ª. Classe porque a minha mãe, coitadinha, levou-me para o trabalho, não me deixou acabá-la. [...] Nessa altura já ia trabalhar ao dia, oh, trabalhar!, ali levava uma carreira de vinha. Cortava uvas para um cesto. Era à vindima. Foi o primeiro trabalho que fiz. A minha mãe não percebia e então fez-me aquilo, fez-me este crime, sim senhor, foi um crime tirarem-me da escola, mas está perdoado. A culpada não era ela não senhor, eram os outros. A minha mãe precisava do dinheiro para se comer.
[...]
“A certa altura da nossa vida o meu marido ficou doente, nem era capaz de falar. Eu é que tinha de ir ter com as pessoas para tirar o dinheiro a juros. [...] Em vez de dever a muitos queria pagar só a um. Era para os tratamentos e para ir andando. [...]”


O TEMPO É QUE NOS DIZ

Tu foste o meu destino
Tu foste a minha vida
Hoje és esperança perdida
Que surgiu no meu caminho

Eras a noite no mar
Daquelas noites serenas
Eras jardim de açucenas
Com borboletas a poisar

Eras um belo caminho
Daqueles sem embaraços
Eras a cruz dos meus braços
E o cofre do meu carinho

Eras o sol da manhã
Com muitas gotas de orvalho
Eras o meu agasalho
Não eras esperança vã

[...]

Hoje o destino não quis
Que eu tivesse outra visão
O que dura a ilusão
É o tempo que nos diz.
(Maria Rita Mirador)